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Refugiados no Brasil: entre limites e possibilidades no direito ao acesso ao trabalho

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CAROLINA CUNHA NEDER FERNANDES

REFUGIADOS NO BRASIL: ENTRE LIMITES E POSSIBILIDADES NO DIREITO AO ACESSO AO TRABALHO

SANTOS 2018

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REFUGIADOS NO BRASIL: ENTRE LIMITES E POSSIBILIDADES NO DIREITO

AO ACESSO AO TRABALHO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do grau em Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Natália Ornelas Pontes Bueno Guerra

SANTOS 2018

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2018.

73 f.: il. color.; 30 cm.

Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Universidade Federal de São Paulo - campus Baixada Santista, Curso de Serviço Social, 2018.

1. Refugiados. 2. Trabalho. 3. Políticas Sociais. 4. Serviço Social. I. Guerra, Maria Natalia. Título. CDD 361.3

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REFUGIADOS NO BRASIL: ENTRE LIMITES E POSSIBILIDADES NO DIREITO AO ACESSO AO TRABALHO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do grau em Bacharel em Serviço Social.

Aprovado em ___/____/____

BANCA EXAMINADORA

____________________________________ Prof.ª Dra. Maria Natália Ornelas Pontes Bueno Guerra

(Orientadora)

____________________________________ Prof.ª Dra. Sônia Regina Nozabielli

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Para meus pais, por uma vida de exemplos de coragem, trabalho e amor ao próximo.

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Ao meu pai, pela torcida e incentivo nos quatro anos da graduação, por todos os “vai dar tudo certo”, por todo o amor e por me dar a certeza que eu tenho você ao meu lado. Você foi o primeiro a ler o projeto deste trabalho e me encorajar a continuar com o meu tema, e isso foi essencial na construção desta pesquisa. Pai, obrigada por ser o meu maior incentivador, meu torcedor número um.

À minha mãe, que estava ao meu lado no dia da minha matrícula e não me deixou desistir num momento em que parecia que não ia dar certo ingressar na Universidade. Por ser meu porto seguro, por me incentivar e ficar feliz por cada pequena conquista. Por ser meu apoio, pelo amor que transcende esta existência. Mãe, sem você, eu não estaria aqui hoje.

Às minhas irmãs, Camila e Mariana, que não só me conhecem, me aceitam e me entendem, mas também me fazem lembrar diariamente que eu tenho parceiras de vida com quem eu posso contar sempre. Por serem vocês e estarem comigo, obrigada.

Aos professores que passaram pela nossa turma com a generosidade necessária para ensinar com amor. Não existe aprendizado real de outra forma, e sigo meu caminho sendo grata pela oportunidade de aprender com vocês.

À minha orientadora, Prof.ª Dra. Maria Natalia Ornelas Pontes Bueno Guerra, pelo acolhimento, pela paciência e pelo afeto, que foram fundamentais para que eu mantivesse a calma e o foco na construção deste trabalho (que é nosso). Por todo o incentivo, pela parceria, e por jamais soltar minha mão nesse processo e em todos os momentos desde a sua chegada à Universidade. Tenho muito orgulho em dizer que fui orientada por você, que é exemplo de dedicação, competência, seriedade e amor pelo que faz. O carinho, a admiração e a gratidão são eternos.

À Prof.ª Dra. Sônia Nozabielli, pelas caronas e conversas sobre a profissão e a vida, pelas aulas repletas de sabedoria e dedicação, por me fazer entender a magnitude da importância da conquista de cada um dos nossos direitos, mas, especialmente, por todo o carinho, cuidado, amizade e incentivo durante esses quatro anos. Contar com a sua companhia nos caminhos para casa e para a chegada neste momento foram um presente para mim, e levarei comigo o seu exemplo de dedicação e compromisso com tudo o que faz. Meu carinho por você é infindo.

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sociedade e ver a beleza da profissão. Lu, sua paciência, seu carinho e a sua parceria durante toda a graduação foram força e alento nos momentos difíceis, e não há agradecimento suficiente para isso. Sua luz, seu exemplo de dedicação e as suas palavras serão companhia em cada dia da minha vida profissional. Não existem palavras que possam mensurar a sua importância na minha formação.

Às minhas amigas Débora Ferreira Alves, Kelly Lopes da Cruz, Mariane Cavalcante dos Santos e Vanessa Torres da Paixão Arruda, que fizeram a parte mais difícil, de serem ouvidos, colo, broncas e abraços; por me aceitarem e me amarem como eu sou; por me ajudarem a manter minha alegria e minha sanidade, especialmente nos momentos mais difíceis e pesados. Meninas, eu não teria concluído essa graduação sem vocês. Obrigada pelo suporte, pela imensa paciência, pela parceria, pelo amor. Eu amo vocês.

Às meninas da cantina, Rosana Bochi, Viviane França e Alba Cabral, por todas as conversas, pelo afeto diário, pelas risadas e por fazerem os meus dias mais leves e felizes.

A todos os funcionários terceirizados da Universidade, que sempre estiveram dispostos a ajudar, cada um em sua função e além dela, com conversas, risadas e sabedoria.

Por fim, agradeço a Deus, que amorosamente colocou todas essas pessoas no meu caminho e me permitiu chegar até aqui.

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mercado de trabalho de refugiados no Brasil. Após um movimento de migração forçada, resultante de perseguições, guerras políticas, étnicas e religiosas, pelo qual foram coagidos a deixar para trás uma vida construída, passaram a vislumbrar, à sua frente, um cenário desconhecido e desafiador. O estudo desenvolveu-se por meio de pesquisa bibliográfica, fundamentada em metodologia qualitativa, na análise de livros, de artigos científicos e de mídias (escrita, revistas e sites), e teve como objetivo compreender como se dá o processo de adaptação e os desafios no processo de integração desses sujeitos ao campo do trabalho no país. No desenvolvimento do estudo elencamos as legislações vigentes concernentes ao refúgio, os órgãos responsáveis por sua execução e pela regulação do fluxo de entrada e legalização de refugiados no Brasil, assim como as instituições governamentais e da sociedade civil que prestam assistência a essa população. Considerando o refúgio como um fenômeno mundial crescente e que é resultado de graves violações de direitos humanos, procuramos identificar e analisar as situações enfrentadas por esses sujeitos em um país marcado por preconceitos e desigualdades sociais e que, no que se refere ao mundo do trabalho, está submetido às duras consequências da reestruturação produtiva do capital e do pensamento neoliberal. As condições objetivas e subjetivas desses indivíduos, bem como a realidade do mundo do trabalho no Brasil nos levaram a entender que há mais obstáculos do que facilidades e que existe uma necessidade latente da efetiva ação do Estado na proteção aos refugiados e seus direitos. Destacamos, ainda, a necessária aproximação do Serviço Social da temática do refúgio, por meio de novas pesquisas e estudos que possam servir de subsídio para a elaboração e aplicação de políticas públicas que efetivem os direitos dos refugiados no Brasil, especialmente no que se refere à inserção no mercado de trabalho, para que possam iniciar a reconstrução de suas vidas. A defesa dos refugiados é o dever de proteção à vida e a dignidade humana.

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market by the refugees in Brazil. After a forced migration movement resulting from persecution, political, ethnical and religious wars for which they were forced to leave behind an established life, they began to see, in front of them, an unknown and challenging scenario. The study was developed through bibliographic research, based on qualitative methodology, in the analysis of books, scientific articles and media (writings, magazines and websites), and it aimed to understand how the process of adaptation and the challenges of the integration process of these subjects into the work field in the country began. In the development of the study, we have listed the current legislation concerning the refuge, the agencies responsible for its execution, and the regulation of the inflow and legalization of refugees in Brazil, as well as governmental and civil society institutions that provide assistance to this population. Considering the refuge as a growing world phenomenon and that is the result of serious violations of human rights, we sought to identify and analyze the situations faced by these subjects in a country marked by social prejudices and inequalities, which, as far as the world of labor is concerned, is submitted to the harsh consequences of the productive restructuring of the capital and neoliberal thoughts. The objective and subjective conditions of these individuals, as well as the reality of the world of labor in Brazil, led us to understand that there are more obstacles than easiness and that there is a latent need for effective State action to protect refugees and their rights. We also emphasize the approaching need of the Social Service on the subject of the refuge, through new research and studies that may serve as a subsidy for the elaboration and application of public policies that enforce refugee rights in Brazil, especially regarding to their entering in the labor market, so that they can begin to rebuild their lives. The defense of refugees is a duty to protect human life and dignity.

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ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

Adus Instituto de reintegração do refugiado

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

CATe Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo

CGD Center for Global Development

CNIg Conselho Nacional de Imigração

CONARE Comitê Nacional para Refugiados

CPF Cadastro de Pessoa Física

CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social

DPU Defensoria Pública da União

FMI Fundo Monetário Internacional

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IKMR I Know My Rights

IMDH Instituto de Migração e Direitos Humanos

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MEI Microempreendedores Individuais

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PARR Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados

PF Polícia Federal

RNE Registro Nacional de Estrangeiro

SAE Secretaria de Assuntos Estratégicos

SNJ Secretaria Nacional de Justiça

UNICAMP Universidade de Campinas

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Quadros

Quadro nº 1 Número de deslocados no mundo em 2017...19

Quadro nº 2 Origem da maior parcela de refugiados no mundo em 2017...20

Quadro nº 3 Países de destino da maioria de dos refugiados em 2017...20

Quadro nº 4 Países que mais acolhem refugiados no mundo...20

Quadro nº 5 Solicitações de refúgio no Brasil em 2017, por nacionalidade...32

Quadro nº 6 Número de refugiados reconhecidos no Brasil em 2017...33

Quadro nº 7 Pedidos de refúgio reconhecidos em 2017, por faixa etária e gênero...34

Quadro nº 8 Solicitações de refúgio no Brasil em 2017, por estado...35

Quadro nº 9 Taxas de desemprego nos 3 (três) primeiros trimestres de 2018...45

Quadro nº 10 Taxas de desemprego somadas às de subocupação nos 3 (três) primeiros trimestres de 2018...45

Quadro nº 11 Taxas de desemprego somadas às de força de trabalho potencial nos 3 (três) primeiros trimestres de 2018...46

Quadro nº 12 Taxa de desemprego por região do Brasil, nos 3 (três) primeiros semestres de 2018...46

Figuras Figura nº 1 Refugiados atravessam o oceano fugindo da guerra civil...21

Figura nº 2 Refugiados no Brasil preenchem documentação para busca de trabalho...62

Figura nº 3 Refugiados sírios no Brasil vendem alimentos em via pública...62

Figura nº 4 Refugiados no Brasil formam fila para atendimento...63

Figura nº 5 Refugiados com a carteira de trabalho e previdência social brasileira...63

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INTRODUÇÃO...12

Capítulo I - A CONDIÇÃO DE SER REFUGIADO: o refúgio, as organizações e a legislação na defesa e proteção social...16

1.1 Refúgio no contexto global: ONU e ACNUR...19

1.2 Refúgio no Brasil...22

1.2.1 Os refugiados no Brasil...32

Capítulo II – TRABALHO NO BRASIL E REFUGIADOS: condições objetivas na busca por inserção no mundo do trabalho subordinado à reestruturação produtiva e ao projeto neoliberal...37

2.1 O avanço do projeto neoliberal e a reestruturação produtiva do capital...37

2.2 Reestruturação produtiva no Brasil...42

2.3 Refugiados e a busca por inserção no mercado de trabalho brasileiro...47

CONSIDERAÇÕES FINAIS...64

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INTRODUÇÃO

Eu não acredito em caridade, eu acredito em solidariedade. Caridade é tão vertical: vai de cima pra baixo. Solidariedade é horizontal: respeita a outra pessoa e aprende com o outro. A maioria de nós tem muito o que aprender com as outras pessoas. Eduardo Galeano

A escolha da temática do refúgio se deu partir dos acontecimentos noticiados em 2016, durante a guerra na Síria, de onde milhares de cidadãos fugiam, buscando abrigo e acolhimento em outros países para reiniciarem suas vidas.

Pensar o tema dos refugiados no Brasil e no mundo é uma necessidade quando se considera a gravidade dos acontecimentos recentes, que vem mostrando a urgência da intervenção dos Estados Nacionais na busca de soluções para uma questão humanitária que se estende há muitos anos e está escancarada globalmente e revela de forma estarrecedora o (des)trato da vida humana como espelho da violação de direitos humanos.

Diariamente, pessoas que fogem de situações de guerra, pobreza, miséria, risco de morte e perseguição, perdem suas vidas cruzando oceanos, nas mãos de atravessadores, ou são vítimas do contrabando de migrantes e tráfico de pessoas, enquanto tentam, a todo custo, buscar a sobrevivência e uma vida digna para si mesmos e suas famílias, em lugares onde consideram que estarão em segurança. As guerras civis nos países de origem desses indivíduos são a principal causa da busca por refúgio, como nos diz Moreira (2005:58)

[...] Isso porque esses conflitos causam graves violações aos direitos humanos da população civil atingida, à medida que atentam contra a sua vida (incluindo a integridade física), liberdade e segurança. Além disso, as situações de conflito colocam em risco grupos ou indivíduos que apresentem etnias ou religiões minoritárias no país ou opiniões políticas diversas do governo, estando sujeitos, assim, a sofrer ameaças ou efetivas perseguições. Em razão disso, são impulsionados a deixar forçosamente seus países de origem para procurar refúgio em outros Estados (negrito nosso).

Os refugiados vêm sendo vitimados por estigma, preconceitos raciais, culturais, morais e religiosos. Quando chegam a um país, sem moradia, sem trabalho ou rede de apoio, encontram dificuldades de adaptação, que podem

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começar no idioma, em alguns casos, e passar por impedimentos relacionados aos direitos sociais e civis que geram empecilhos para que se estabeleçam, bem como, sofrerem com questões de saúde mental e problemas emocionais causados não só pela distância de suas famílias, mas também pelas discriminações sofridas cotidianamente.

Esses indivíduos chegam ao país de refúgio, em muitos dos casos, com pouco ou nenhum documento, tornando sua identificação um processo lento, complexo e burocrático, já que, muitas vezes, é preciso fazer buscas e pesquisas para que seus documentos originais sejam encontrados ou sua identidade comprovada.

Além da questão documental, essas pessoas acabam por sofrer uma espécie de perda de subjetividade, recebendo tratamento de “o refugiado”, como se não carregassem consigo um nome, uma identidade única e aspectos culturais, étnicos, éticos, morais ou religiosos. Essa questão é reforçada por preconceitos raciais e discriminação pela própria condição de refugiado.

Quando se consideram todos os fatores traumáticos que fizeram esses indivíduos buscarem refúgio, somados às necessidades e questões pessoais de cada um e à falta de segurança social, cria-se um quadro de violação de direitos e falta de defesa de seus interesses, que deveriam estar garantidos, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Não só os direitos sociais são atingidos, mas também a singularidade dessas pessoas, que passam a sentir-se como não cidadãos, à margem da sociedade.

Aqueles que buscam refúgio são indivíduos que trazem consigo muita dor, tristeza, traumas, medos, memórias de cenas de guerra, perda de seus entes queridos. É imprescindível considerar a realidade objetiva vivenciada e suas necessidades, assim como os Direitos Humanos e como eles são violados, tanto nos países de origem dos refugiados quanto nos países onde eles buscam acolhimento e proteção.

É necessário analisar a condição dos refugiados para compreender quais são as questões que exigem respostas do Estado e, ainda, as que necessitam de ação urgente, imediata, considerando o que seja necessário para a sua sobrevivência em garantias fundamentais como alimentação, higiene, habitação e acesso a cuidados de saúde. Essas questões envolvem o processo de adaptação dos refugiados nos territórios, na perspectiva de se garantir proteção e o direito à vida.

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Atualmente, no mundo, existem 25,4 milhões de refugiados e 3,1 milhões de solicitantes de refúgio, segundo dados do ACNUR. De acordo com a agência, é o maior número de refugiados já registrado, e revela a gravidade da precariedade das condições de vida a que essas pessoas são submetidas em seus países de origem e que as forçam a buscar uma nova chance de sobrevivência em outros países.

No Brasil, o número de refugiados reconhecidos legalmente até o final de 2017 era de 10.145 pessoas, vindos de diversos países e que chegaram, em sua maioria, da Síria, fugindo da guerra civil que ocorre no país desde 2011, ainda de acordo com o ACNUR.

É essencial compreender quem são os refugiados, como se apresentam nos contextos global e brasileiro, quais são os seus direitos, quais as organizações existentes em sua defesa e problematizar o papel do Estado no contexto de violação de direitos vivenciado.

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi construído a partir de estudo bibliográfico, que se desenvolveu por meio de pesquisa fundamentada em metodologia qualitativa, após busca de fonte documental das instituições relacionadas ao tema do refúgio, onde foi possível apreender conteúdo que permitiu expandir a pesquisa e avançar para a análise de livros, de artigos científicos e de mídias (escrita, revistas e sites), e pretende compreender quem são, como se apresentam, a quais direitos tem acesso e qual proteção recebem os refugiados na busca por trabalho no Brasil, além de procurar apreender a realidade dessa população durante essa trajetória e conhecer os principais problemas e as possibilidades que se apresentam ao longo do processo de efetivação do direito ao trabalho que, segundo a legislação brasileira é garantido aos solicitantes de refúgio e refugiados que estejam vivendo no país.

Este estudo tem como objeto de pesquisa os limites e possibilidades encontrados pelos refugiados na busca por trabalho no Brasil. Como objetivo geral, identificar e analisar as dificuldades enfrentadas pelas pessoas em condição de refugiados no acesso ao trabalho no país, assim como as oportunidades que esses indivíduos encontram durante essa busca. Para alcançar essas respostas, os

objetivos específicos foram: identificar e problematizar a condição de existência

dos refugiados no Brasil, organizando uma “fotografia” dessa população, com dados como origem, faixa etária, formação educacional e preparação para o trabalho; analisar as condições dos refugiados e as condições atuais do mundo do trabalho e,

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por fim, identificar e analisar quais as estratégias atuais desenvolvidas pelas pessoas refugiadas e pelo Estado para a inserção no mundo do trabalho e/ou atendimento das necessidades fundamentais de sobrevivência desses indivíduos e suas famílias.

No capítulo I, apresentamos os conceitos, as instituições ligadas aos refugiados, aspectos legais e contextos necessários para a apreensão de conteúdo do estudo subsequente. No capítulo II, expomos as mudanças causadas no mundo do trabalho no Brasil pós reestruturação produtiva, a precarização dos empregos e das condições de trabalho, as questões objetivas presentes na realidade brasileira e como os refugiados enfrentam esse cenário durante a busca pela inserção no mercado laboral no país.

Nas considerações finais, uma breve síntese do que foi estudado, onde destacamos questões consideradas relevantes na pesquisa. A análise pessoal é acompanhada de posicionamentos fundamentados na teoria social crítica sobre as questões colocadas ao longo do percurso de estudo, considerando o conhecimento prévio, as informações encontradas e a análise desenvolvida ao longo da pesquisa.

Destacamos que o estudo possibilitou a compreensão das condições vivenciadas pelos refugiados como uma expressão da questão social e que se agrava pelas perdas sofridas no processo de refúgio e a inserção em um país marcado historicamente pela desigualdade social, racismo e preconceito, como o Brasil.

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CAPÍTULO I

A CONDIÇÃO DE SER REFUGIADO: O REFÚGIO, AS ORGANIZAÇÕES E LEGISLAÇÃO NA DEFESA E PROTEÇÃO SOCIAL

Se alguém está fugindo de desastres, de guerra, você tem uma obrigação internacional de ajudar essas pessoas e de oferecer abrigo. Isso não deveria ser uma discussão econômica. Antes de mais nada, é um dever moral e humano. Jasper Tjaden

Considerado como uma consequência de desigualdades sociais e econômicas, pode-se dizer que o deslocamento forçado sempre esteve presente na história da humanidade. Os primeiros registros da prática do acolhimento a estrangeiros em fuga de perseguições encontram-se em textos de 3.500 anos atrás, quando acontecia a ascensão dos grandes impérios do Oriente. Posteriormente, durante a

[...] Antiguidade Grega e Romana e a Idade Média, o acolhimento das vítimas de migração forçada ganhou contornos religiosos, sendo o asilo concedido a criminosos comuns sujeitos ao processo de arrependimento perante a divindade em templos, onde o respeito e o temor aos locais sagrados e aos deuses protegiam as pessoas da violência de perseguidores, governos e exércitos que ali eram proibidos de entrar (REFÚGIO, 2018)

Após as revoluções liberais que se iniciaram no século XVIII e se desenvolveram no século XIX em toda a Europa, houve progresso dos movimentos de caráter liberal, que buscavam disseminar ideais de liberdade e a defesa de temáticas como direitos humanos, igualdade social e soberania da população, mantendo uma ideologia nacionalista, que despertava a luta contra países dominadores. O asilo, então, ganhou outra característica, passando a ser concedido apenas a perseguidos políticos. Entretanto, foi só no século XX que o direito internacional passou a contar com regras e instituições específicas para o refúgio. Antes disso, “... aqueles que buscavam proteção em outro país dependiam da generosidade das leis nacionais referentes à concessão de asilo.” (REFÚGIO, 2018)

Com o fim da 2ª guerra mundial, em 1945, muitos europeus perderam suas casas ou fugiram de seus países de origem. Como apoio a esses indivíduos, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou em 1950 o Alto Comissariado das

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Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que iniciou suas atividades em 1951 e tem como base a Convenção de Genebra, também conhecida como a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados – da ONU, do mesmo ano. Segundo Piovesan (2010), essa Convenção de 1951 constituiu-se como “carta magna que define em caráter universal a condição do refugiado, dispondo sobre seus direitos e deveres”.

A Convenção de 1951 define como refugiados

[...] as pessoas que se encontram fora do seu país por causa de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, e que não possa (ou não queira) voltar para casa. Posteriormente, definições mais amplas passaram a considerar como refugiados as pessoas obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos (ACNUR, 2018).

Em 1967, um protocolo reformou essa Convenção e as ações do ACNUR foram expandidas para nível global, quando passaram a atender a todos os refugiados, e não só aqueles afetados pela guerra, considerando, segundo o próprio ACNUR, que os motivos que levam à busca por refúgio vão além das consequências dos conflitos mundiais:

[...] O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), ao analisar as mudanças ocorridas nos fatores desencadeadores de conflitos e perseguições, ao longo de sua história de proteção aos refugiados, destaca que no seu contexto de formação, em 1950, os esforços concentrados eram na proteção de refugiados provenientes do fascismo e do stalinismo. Porém, nas últimas décadas, os conflitos armados, principalmente desenvolvidos pelo contexto pós-Guerra Fria, desempenharam papel determinante na evolução do número de refugiados (SILVA, 2017).

Segundo a ONU, “... o ACNUR trabalha para assegurar que qualquer pessoa, em caso de necessidade, possa exercer o direito de buscar e receber refúgio em outro país e, caso deseje, regressar ao seu país de origem”, além de trabalhar pela ampla defesa dos direitos humanos básicos a todos os refugiados e garantir que não sejam devolvidos coercitivamente a países onde possam sofrer perseguições. O órgão também auxilia refugiados na busca de soluções permanentes ou de longo prazo, como a integração no país onde se encontram, a repatriação voluntária1 ou o

1Repatriação voluntária: A repatriação voluntária é a solução adequada para aqueles refugiados que já possuem condições de regressar em condições de segurança e dignidade ao seu país de origem. A repatriação voluntária é sempre precedida de uma avaliação do ACNUR sobre as condições de segurança do local para onde o refugiado deseja retornar.

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reassentamento2. Na maioria dos países, o ACNUR trabalha com entidades

parceiras, que tem alcance a regiões mais remotas e/ou fronteiriças. Todo o esforço é com a intenção de “... fornecer proteção legal e física, e minimizar a ameaça de violência – incluindo agressão sexual – a que muitos refugiados estão sujeitos” (ACNUR2, s./a.).

Entre as atividades desenvolvidas pela entidade, estão a promoção da adesão dos países à Convenção de Genebra relativa ao estatuto dos refugiados; ajuda aos países para que possam sancionar ou revisar a legislação nacional de refugiados; fortalecer as instituições governamentais relevantes e capacitar órgãos governamentais e não governamentais e estabelecer contato com órgãos concernentes aos direitos humanos. Além disso, o ACNUR participa de pesquisas, provê apoio técnico e financeiro para faculdades de direito, agências governamentais, institutos que desenvolvem cursos de direitos dos refugiados, grupo de defesa dos direitos humanos e dos refugiados, centros de ajuda legal e ONG com interesse na proteção dos refugiados. São atendidos pelo ACNUR, além dos refugiados: solicitantes de refúgio3, deslocados internos4, apátridas5 e retornados6.

O trabalho do ACNUR é pautado nos princípios da Convenção de Genebra de 1951, que visam a proteção e garantia de direitos dos refugiados e também versa sobre seus deveres. A convenção tem como base a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral da ONU.

Com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos, todos os refugiados tem direito à Proteção Internacional. Ela se faz necessária porque esses indivíduos não podem contar com seus governos para a proteção e garantia de seus direitos básicos. O ACNUR tem como missão garantir que qualquer pessoa que

2 Reassentamento: Muitos refugiados não podem ir para casa devido a conflitos persistentes, guerras e perseguições. Muitos também vivem em situações perigosas ou têm necessidades específicas que não podem ser atendidas no país onde buscaram proteção. Nessas circunstâncias, o ACNUR ajuda a reassentar os refugiados em um terceiro país. O reassentamento é a transferência de refugiados de um país anfitrião para outro Estado que concordou em admiti-los e, em última instância, conceder-lhes assentamento permanente. 3 Solicitantes de refúgio: São pessoas que solicitam às autoridades competentes serem reconhecidas como refugiado, mas que ainda não tiveram seus pedidos avaliados definitivamente pelos sistemas nacionais de proteção e refúgio.

4 Deslocados internos: São pessoas deslocadas dentro de seu próprio país, pelos mesmos motivos de um refugiado, mas que não atravessaram uma fronteira internacional para buscar proteção.

5 Apátridas: São pessoas que não têm sua nacionalidade reconhecida por nenhum país. A apatridia ocorre por várias razões, como discriminação contra minorias na legislação nacional, falha em reconhecer todos os residentes do país como cidadãos quando este país se torna independente (secessão de Estados) e conflitos de leis entre países.

6 Retornados: São pessoas que tiveram o status de refugiados e solicitantes de refúgio, e que retornam voluntariamente a seus países de origem.

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necessite possa efetivar seu direito de procurar refúgio em outro país e regressar ao seu país de origem, se for sua vontade. O papel do ACNUR não é se sobrepor a proteção dos países, mas garantir que os Estados estejam a par de suas obrigações de proteger os refugiados e todos os que busquem refúgio.

De acordo com o site oficial da agência, atualmente são quase 12 mil funcionários em 128 países, trabalhando em parceria com centenas de ONG e prestando auxílio e proteção a milhões de pessoas deslocadas à força no mundo. O diplomata italiano Filippo Grandi é o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados. Ele foi eleito para o cargo em novembro de 2015, e assumiu suas funções em janeiro de 2016.

1.1 Refúgio no contexto global: ONU e ACNUR

Segundo dados do ACNUR, até o fim de 2017, existiam no mundo 68,5 milhões de pessoas em situação de deslocamento motivados por questões de sobrevivência a conflitos, perseguição e violência. O quadro abaixo revela os deslocados internos, refugiados e solicitantes de refúgio

Quadro nº 1 – Número de deslocados no mundo em 2017

Fonte: ACNUR

Essa população tem origem sobretudo em 3 (três) países, envolvidos, principalmente, em guerras e com alto índice de violência e luta armada. A Síria, especialmente por causa da guerra civil instaurada no país, é a principal origem dos refugiados, com mais de 6,3 milhões de pessoas buscando acolhimento, o que soma quase um terço da população de refugiados no mundo, conforme revelam as figuras abaixo

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Quadro nº 2 – Origem da maior parcela de refugiados no mundo em 2017

Fonte: ACNUR

Os dados revelam que a busca por refúgio se centraliza em países em desenvolvimento.

Quadro nº 3 – Países de destino da maior parcela de dos refugiados em 2017

Fonte: ACNUR

Quadro nº 4 – Países que mais acolhem refugiados no mundo

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Cabe destacar que os países em desenvolvimento apresentam padrão de vida baixo ou médio, baixo nível de desenvolvimento econômico e social, baixo PIB per capita, alta dívida externa, distribuição de renda desigual, elevado crescimento populacional, fome e escassez de alimentos, taxa de analfabetismo elevada, condições precárias de habitação da maioria da população, serviços de saúde insuficientes, instabilidade política, desrespeito aos direitos humanos, corrupção e outras condições que apontam para uma provável dificuldade de integração e garantia de qualidade de vida dos refugiados.

A Turquia é o país que acolhe o maior número de deslocados, seguida por Paquistão, Uganda, Líbano e Irã.

Figura nº 1: Refugiados atravessam o oceano fugindo da guerra civil

Foto: ACNUR / Guarda costeira italiana / Massimo Sestini.

Revela-se assim, o drama vivenciado pelas pessoas em condição de deslocamento e refúgio, na busca pela preservação da vida de si e sua família, em condições que de forma implícita e explícita, reflete a violação de direitos humanos.

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1.2 Refúgio no Brasil

Os países que assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, estão comprometidos no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, dos direitos de liberdade, igualdade e solidariedade aos refugiados. Entende-se, portanto, que – nesses países - deve haver igualdade de direitos sociais e civis para aqueles que buscam refúgio. O Brasil é signatário da Declaração desde a sua elaboração, durante o governo do General Eurico Gaspar Dutra (1946-1951).

Nesse sentido, é importante retomar marcos sócio-históricos no Brasil que nos revelam a forma como o Estado foi lidando com a questão dos refugiados.

Antes da Convenção de Genebra, ainda no governo de Getúlio Vargas, o Brasil tinha algumas legislações concernentes à regulação de imigrantes. Em 1930, o então presidente assinou um decreto (nº 19.482/1930) que restringia a entrada de negros, asiáticos e indígenas no país. Em 1932, esse decreto foi renovado (nº 22.244/1932), passando a proibir completamente a imigração. Dois anos depois, o decreto nº 24.215/1934 criou cotas para imigrantes, permitindo a portugueses entrar no Brasil livremente. Para outras nacionalidades, o número permitido era de 2% da população de mesma origem já estabelecida no país. No ano de 1935, foi assinada a Lei de Segurança Nacional (lei nº48/1935), que previa, mais uma vez, o aumento de restrições à entrada de estrangeiros.

O Brasil aderiu à Convenção de 1951, da ONU, em 1960, mas o ACNUR somente passou a atuar no país na década de 1970, quando, por causa das ditaduras militares acontecendo na América Latina, cidadãos eram forçados a ir para o exterior e também num movimento contrário. As Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e do Rio de Janeiro7 dava apoio a cidadãos de países vizinhos que vinham

buscar abrigo, por não terem condições financeiras e documentais de viajar para um país mais distante. O ACNUR acompanhava esses movimentos e tinha na Igreja Católica uma parceira, considerando que a Cáritas conseguia realizar esse trabalho em plena ditadura, mesmo com a presença e forte controle social pelas forças militares.

7 A Cáritas Brasileira é uma entidade ligada à Igreja Católica, de promoção e atuação social que age em parceria com organismos nacionais e internacionais, com enfoque na questão da defesa dos direitos humanos e numa perspectiva ecumênica. Ela detém o status "Consultivo Geral”, atribuído pelo Conselho Socioeconômico da ONU (Organização das Nações Unidas).

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Em 1980, ainda no período da ditadura militar no Brasil (1964-1985), o presidente, General João Batista Figueiredo, assinou o Estatuto do Estrangeiro, que tinha como princípio a segurança nacional, e definia as regras legais da atividade migratória do país. O documento deixava clara a preocupação do país com questões de natureza militar, mencionando a segurança nacional e a defesa do trabalhador brasileiro, que inclusive, era uma justificativa para a existência do estatuto. Apesar do viés defensivo, de não prevenir ações de xenofobia e de tratar o imigrante como um estranho, o documento aprovado pelos militares derrubou as barreiras legais que limitavam a liberdade dessa população no Brasil. O Estatuto pretendia definir a situação política do migrante no país, com vistas, unicamente, aos interesses nacionais.

A lei de 1980 também criou o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), uma instância de articulação da Política Migratória Brasileira, em especial da Política de Migração Laboral, para atuar por meio de diálogo permanente com a sociedade brasileira. O CNIg é vinculado ao Ministério do Trabalho e tem como política selecionar imigrantes que possam colaborar com a economia e compor a força de trabalho no país. O órgão tem por finalidades:

Formular objetivos para a elaboração da política de imigração; Coordenar e orientar as atividades de imigração;

Promover estudos de problemas relativos à imigração;

Levantar periodicamente as necessidades de mão-de-obra estrangeira qualificada;

Estabelecer normas de seleção de imigrantes;

Definir as dúvidas e solucionar os casos omissos, no que diz respeito a imigrantes;

Opinar sobre alteração da legislação relativa à imigração;

Elaborar o seu Regimento Interno que deverá ser submetido à aprovação do Ministério de Estado do Trabalho.

Ainda no início dos anos 80, com a chegada de muitos angolanos que fugiam de uma guerra civil em Angola, o ACNUR passou, oficialmente, a atuar no Brasil. Entretanto, como o país havia aderido à Convenção de 1951, o Brasil não podia receber refugiados que não fossem procedentes da Europa. Após conversas com o governo brasileiro, algumas famílias com outras origens foram recebidas, porém,

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com status de estrangeiros temporários, não refugiados. Se mostrava necessário acabar com a limitação de pessoas vindas de outros lugares além da Europa e

[...] Então, finalmente, em 1989, por meio do decreto nº 98.602, o Brasil levanta a reserva geográfica, aderindo plenamente então à Declaração de Cartagena, e permitindo ao país receber um fluxo maior de refugiados, independentemente da origem dessas pessoas. E, em 1991, já na nova fase de estabilidade política, mas ainda com número muito pequeno de refugiados no Brasil, o Ministério da Justiça edita a portaria interministerial nº 394, com o dispositivo jurídico de proteção a refugiados, estabelecendo uma dinâmica processual para a solicitação e concessão de refúgio (BARRETO, 2010:18).

Porém, apesar da proteção jurídica concedida, o governo brasileiro apenas disponibilizava a documentação oficial aos refugiados, não oferecendo nenhuma outra assistência, restringindo sua ação à legalização burocrática. “[...] Como muitos desses refugiados vinham de regiões de guerra, com traumas psíquicos e com problemas de saúde, o apoio oferecido era insuficiente e havia a necessidade de maior integração dos refugiados no ambiente local” (BARRETO, 2010:18).

A partir dessa demanda, o governo iniciou, em parceria com a Cáritas e participação dos ministérios das relações exteriores, saúde, trabalho e educação, uma série de reuniões para discutir as questões de sobrevivência, saúde física e mental e integração laboral dos refugiados no país. A realidade impunha que seria necessário algo mais que uma portaria para regulamentar o Estatuto do Refugiado no Brasil e efetivamente agir de acordo com a Convenção de 1951, bem como um órgão oficial para tratar das questões do refúgio e regular direitos, deveres e regras para a concessão e manutenção do status de refugiado.

[...] O Brasil decidiu aprovar sua própria lei sobre refúgio, que vige em consonância técnica e jurídica com a Convenção de 1951. A aprovação da lei transmite regras mais claras e mais diretas aos órgãos da administração pública. Mostrou-se eficaz para maior envolvimento do Brasil com o tema do refúgio (BARRETO, 2010:16)

É criada, então, a Lei Brasileira de Refúgio (lei nº 9.474/1997), a partir da qual são estabelecidas no Brasil regras próprias para aplicação do estatuto do refugiado, incorporando a Declaração de Cartagena, que é um documento de 1984, criado quando países da América Central e do Caribe se organizaram para discutir as questões legais e humanitárias que afetavam os refugiados na América Central.

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Nesse encontro, que aconteceu em Cartagena das Índias (Colômbia) foi adotada a Declaração de Cartagena sobre Refugiados, um instrumento regional de proteção aos refugiados, considerada um marco para o trabalho humanitário em toda a América Latina e Caribe e que modificava a designação de refugiado trazida pela Convenção de Genebra, que não considerava as situações de conflitos armados, recorrentes na região entre 1970 e 1990, durante os governos e ditaduras militares. Com esta Declaração, passa-se a incluir na definição de refugiado

(...) pessoas que deixaram seus países porque sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas em decorrência da violência generalizada, agressão estrangeira, conflitos internos, violação massiva dos direitos humanos ou outras circunstâncias que perturbaram gravemente a ordem pública (DECLARAÇÃO DE CARTAGENA, 1984:3).

Importante marco ético-jurídico, a declaração de Cartagena trouxe, assim, o que ficou conhecido como “definição ampliada de Refugiado”.

A lei brasileira de refúgio, redigida em parceria com o ACNUR e a sociedade civil organizada (representada pelas Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e Rio de Janeiro), também cria, em 1997, o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), órgão que tem como objetivos tomar decisões sobre elegibilidade dos casos individuais e promover a integração, através da criação de políticas públicas. O CONARE tem participação do governo, da sociedade civil e da ONU (com representantes do ACNUR).

O CONARE é presidido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e composto pelas seguintes representações

Ministério das Relações Exteriores Ministério do Trabalho e Emprego Ministério da Saúde

Ministério da Educação

Departamento de Polícia Federal

Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, como representantes da sociedade civil organizada, e a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, como suplente e ACNUR, como membro consultivo com direito à voz, sem voto.

O Instituto de Migração e Direitos Humanos (IMDH) e a Defensoria Pública da União (DPU) também participam como membros consultivos.

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Ainda que a lei de refúgio (nº 9.474/1997) tenha sido um importante marco para a ampliação dos direitos dos refugiados no país, o Estatuto do Estrangeiro, que era a base dessa lei, datava do período da ditadura militar, e tratava o migrante como uma questão de segurança nacional, uma ameaça. Os princípios afirmados pela chamada Constituição Cidadã, de 1988 não estavam, portanto, contemplados nessa lei, e fazia--se necessária a criação de uma nova lei, que fosse pautada pelos princípios republicanos e que se aproximasse da democracia conquistada pela população brasileira. Dentro do governo

[...] A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) buscava alterar a lei de migrações com enfoque na atração de força de trabalho qualificada (...) Já a Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) procurava modificar a lei a partir do paradigma das garantias dos direitos dos migrantes (OLIVEIRA, 2017:173)

Essas discussões se prolongaram até 2013, quando o projeto de lei 288/2013 que tinha como ementa instituir a Lei de Migração e regular entrada e estada de estrangeiros no Brasil, foi encaminhado ao Senado. Esse projeto, do então senador Aloysio Nunes, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), tinha como propostas “[...] fazer avançar o estatuto jurídico da questão migratória na direção das garantias e dos direitos; assegurar a plena integração dos imigrantes; implementar a cooperação internacional; combater o tráfico de pessoas; e contemplar a questão dos emigrantes” (Oliveira, 2017:173). O projeto foi acatado pelo Senado em 2015, passou pela Câmara dos Deputados, voltou ao Senado para ajustes e foi encaminhado para a sanção presidencial, que aconteceu em maio de 2017. A nova Lei de Migração (nº 13.445/2017) considera a atividade migratória como um direito humano e garante ao migrante

(...) condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. Além disso, institui o visto temporário para acolhida humanitária, a ser concedido ao nacional de país que, entre outras possibilidades, se encontre em situação de grave e generalizada violação de direitos humanos – situação que possibilita o reconhecimento da condição de refugiado, segundo a Lei nº 9.474/1997 (ACNUR2, 2018).

As diferenças entre o Estatuto do Estrangeiro (1980) e a nova Lei de Migração (2017) são destacadas pela discrepância entre o caráter nacionalista, conservador e de restrição de liberdade dos estrangeiros no Brasil da lei mais antiga e a visão

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humanitária da lei de 2017, que trata o imigrante como um concidadão do mundo, com plenos direitos garantidos, todos providos gratuita e legitimamente pelo Estado, em consonância com a política internacional de Direitos Humanos. Outra disparidade é que o Estatuto prevê a extradição do estrangeiro até em casos que sejam considerados como “vadiagem” ou “mendicância”, enquanto que a nova lei só acata a extradição se o estrangeiro estiver respondendo a processo investigatório ou tiver sido condenado em seu país de origem, ou se tiver cometido crime no país que solicita a extradição.

O Estado brasileiro tem a responsabilidade de proteger e integrar os refugiados à sociedade, bem como garantir que seus direitos sejam efetivados. “[...] No território brasileiro, o refugiado pode obter documentos, trabalhar, estudar e exercer os mesmos direitos civis que qualquer cidadão estrangeiro em situação regular no Brasil.” (ACNUR2, 2018).

No Brasil, existem legislações específicas para proteger os diretos dos refugiados, assim como para afirmar seus deveres. Portanto, é dever do Estado que essa população seja acolhida, integrada aos serviços, reconhecida como uma parcela da sociedade com necessidades particulares e específicas e deve-se trabalhar para que sejam incluídos nas políticas sociais, recebendo atenção especial no que se refere à sua permanência e sobrevivência no território nacional.

Para que o desenvolvimento da assistência aos refugiados seja garantido e cada vez mais fundamentado na efetivação dos direitos humanos, é necessário que sejam conhecidas e cumpridas as leis que regem as políticas de refúgio no Brasil e no mundo. A lei de migração traz, portanto, a humanização da condição do imigrante e o trata com dignidade e como portador de direitos legais garantidos e promovidos pelo Estado, em conformidade com a política internacional de direitos humanos.

Neste sentido, maior compreensão da realidade atual dos refugiados no Brasil, é essencial conhecer as organizações públicas e organizações da sociedade civil que acolhem e amparam esses indivíduos e suas famílias, trabalhando para que sejam integrados à sociedade e ao mercado de trabalho, e para que seus direitos sejam respeitados e garantidos.

Ainda que o Brasil seja conhecido como um país acolhedor, onde convivem variados povos, a realidade contradiz essa afirmação e a transforma em mito, já que, frequentemente, os refugiados encontram obstáculos na tentativa de se integrarem à sociedade, geralmente relacionados a questões culturais e à língua portuguesa, mas

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também passando por dificuldades no acesso à educação superior, serviços públicos como saúde e moradia e integração ao mercado laboral. Em um esforço para viabilizar o acesso dessa população às políticas públicas

[...] o ACNUR atua em cooperação com governos e embaixadas, envolvendo atores sensíveis à causa do refúgio, como organizações da sociedade civil, o Poder Judiciário, o setor privado, universidades e indivíduos que contribuem para o fortalecimento de uma grande rede de apoio. Por meio de parcerias estabelecidas com a sociedade civil, refugiados e o Poder Público, o ACNUR busca fortalecer iniciativas que apresentem soluções inovadoras para os desafios enfrentados pelas populações sob seu mandato (ACNUR3, 2018:20).

No Brasil, assim como nos outros países, a ação do ACNUR é baseada nos mesmos princípios de proteção e soluções de caráter durador ou permanente para as questões dos refugiados. A Agência da ONU para Refugiados no Brasil tem sede em Brasília e unidades em São Paulo (SP), Manaus (AM) e Boa Vista (RR) e parcerias com organizações que ofertam assistência direta aos refugiados e solicitantes de refúgio em diversas localidades no país.

Além do CONARE e das já citadas Cáritas Arquidiocesanas de São Paulo e Rio de Janeiro, o ACNUR conta com a colaboração de organizações como:

Missão Paz, Instituto de reintegração do refugiado (Adus) e Organização Compassiva (São Paulo/SP): propiciam acolhimento, oferecem aulas de português, apoio psicossocial, documentação, apoio jurídico, serviços de saúde, capacitação para o trabalho, entre outras atividades para adultos e crianças.

Associação Antônio Vieira, que atua em 6 (seis) estados e tem programas de acolhimento, trabalho, proteção e educação de refugiados.

IMDH (Brasília/DF): atua na proteção dos direitos humanos, promoção da cidadania e assistência jurídica a refugiados, promoção da integração e assistência.

I know my rights (IKMR): ONG que se dedica às crianças refugiadas e atua em São Paulo/SP.

Migraflix, atuante em 4 cidades: criada com o objetivo de integrar refugiados e imigrantes socialmente e economicamente, através de ações de empreendedorismo que geram renda e troca de cultura, além de promover ações de capacitação.

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Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados – PARR: trabalha em parceria com empresas para a integração dos refugiados ao mercado de trabalho, fazendo a comunicação entre quem busca trabalho e quem oferece vagas, através de um banco de dados eletrônico.

O ACNUR frequentemente realiza processos públicos para selecionar projetos e parcerias, tendo como objetivo o desenvolvimento de programas e ações para a integração dessa população, na condição de refugiados, aos territórios em que se encontram.

Importante destacar que todos os pedidos de refúgio no Brasil são decididos pelo CONARE. O solicitante tem o direito de não ser deportado para território ou fronteira onde sua vida ou liberdade estejam ameaçadas. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores

[...] Para solicitar refúgio no Brasil, é preciso estar presente no território nacional. A qualquer momento após a sua chegada no Brasil, o estrangeiro que se considera vítima de perseguição em seu país de origem deve procurar uma Delegacia da Polícia federal ou autoridade migratória na fronteira e solicitar expressamente o refúgio para adquirir a proteção do governo brasileiro. (BRASIL, s./a.)

A recomendação é que se procure a Polícia Federal (PF) assim que cruzar a fronteira, porém, não há um prazo para que seja feita a solicitação, ainda que o estrangeiro já esteja há algum tempo no país. Quando o pedido for formalizado, será encaminhado ao CONARE, que decidirá pela concessão ou não do reconhecimento do refúgio.

As organizações parceiras do ACNUR (Caritas e IMDH) poderão ajudar no processo de solicitação, que consiste em preenchimento de formulário e entrevista (caso necessário, com a participação de um intérprete). O CONARE então, autoriza a PF a emitir o protocolo provisório de solicitação de refúgio, que servirá como documento de identidade do solicitante até que seu caso seja analisado. Esse protocolo permite ao indivíduo solicitar o Cadastro de Pessoa Física (CPF) e a Carteira de Trabalho Provisória e tem validade de 6 meses, devendo ser renovado na PF caso o processo ainda não tenha sido finalizado nesse prazo.

De acordo com o ACNUR, os solicitantes de refúgio no Brasil tem direito a Ter acesso ao procedimento legal de solicitação de refúgio, gratuitamente e sem necessidade de advogado;

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Não ser devolvido para seu país de origem ou para onde sua vida possa estar em risco;

Não ser discriminado pelas autoridades governamentais e pela sociedade; Não ser punido por entrada irregular no país;

Receber a documentação provisória assegurada pela legislação: Protocolo Provisório, Cadastro de Pessoa Física (CPF) e Carteira de Trabalho;

Ter os mesmos direitos e a mesma assistência básica de qualquer outro estrangeiro que resida legalmente no país. Entre os direitos civis básicos estão a liberdade de pensamento, de deslocamento e de não ser submetido à tortura e a tratamentos cruéis e degradantes. Já entre os direitos econômicos, sociais e culturais estão o acesso aos serviços de saúde pública e educação, direito ao trabalho e à liberdade de culto.

A responsabilidade de proteção e integração de refugiados é primariamente do Estado brasileiro, assim como a garantia de seus direitos e a fiscalização de seus deveres.

Os direitos econômicos e sociais que se aplicam aos refugiados são os mesmos que se aplicam a outros indivíduos. Todos os refugiados devem ter acesso à assistência médica, direito ao trabalho e à educação adequada para todas as crianças. Esses direitos, assim como a liberdade de circulação, só poderão ser restringidos em caso de fluxos massivos de refugiados ou outra circunstância que o ACNUR considere como grave.

Destacaremos a seguir os direitos e deveres específicos dos refugiados no Brasil - de acordo com o ACNUR - que existem para responder às pressões nacionais e internacionais em defesa dos direitos humanos.

Direitos específicos:

Não Devolução - Os refugiados e os solicitantes de refúgio não podem ser expulsos ou devolvidos para um país ou território onde a sua vida ou integridade física corram o risco de serem violadas, nem ao seu país de origem;

Não Penalização - Enquanto a solicitação de refúgio estiver em análise, os solicitantes de refúgio têm o direito de não ser processados ou penalizados pela entrada irregular no território brasileiro.

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Não Discriminação - Ninguém pode ter seus direitos violados devido à cor da pele, sexo, idade, orientação sexual, identidade de gênero, situação social, condições econômicas ou religião.

Assistência Jurídica - Refugiados e solicitantes de refúgio têm o direito à assistência jurídica gratuita. No Brasil, a Defensoria Pública é responsável por prover assistência legal às pessoas que não podem arcar com tais custos.

Trabalho - Refugiados e solicitantes de refúgio têm direito a ter uma carteira de trabalho, que lhes permite trabalhar formalmente no país, tendo os mesmos direitos trabalhistas que qualquer outro trabalhador no Brasil.8

Proteção contra violência sexual ou de gênero.

Saúde - Refugiados e solicitantes de refúgio, como qualquer outro estrangeiro no Brasil, podem e devem ser atendidos em qualquer hospital ou centro de saúde público no território nacional.

Educação - Os refugiados e solicitantes de refúgio têm o direito de frequentar escolas públicas – ensino Básico, Fundamental e Médio – bem como participar em programas públicos de capacitação técnica e profissional. Eles também podem acessar instituições de ensino superior da mesma maneira que os cidadãos brasileiros ou através de programas de entrada especificamente projetados para a população de refugiados no Brasil.

Flexibilidade quanto aos documentos do país de origem - De acordo com o artigo 43, da Lei Brasileira de Refúgio, a condição atípica dos refugiados deverá ser considerada pelas autoridades e instituições brasileiras quando da necessidade da apresentação de documentos emitidos por seus países de origem ou por suas representações diplomáticas e consulares.

Liberdade de Movimento - Refugiados e solicitantes de refúgio têm o direito de movimentar-se livremente no território brasileiro.

Documentação - Os refugiados reconhecidos no Brasil têm o direito de obter a Carteira de Registro Nacional Migratório (antigo Registro Nacional de Estrangeiro – RNE), a carteira de trabalho definitiva (CTPS), um CPF e um documento de viagem (passaporte para estrangeiros).

Residência Permanente - Os refugiados reconhecidos no Brasil podem solicitar residência permanente após 4 (quatro) anos no país, a contar da data do reconhecimento da condição de refugiado/a.

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Reunião Familiar - Refugiados reconhecidos no Brasil têm direito à reunião familiar. Isso significa que, se você tem membros da família que vivem no Brasil, eles podem solicitar a reunião familiar e receber o status de refugiado no Brasil sem passar pelas entrevistas.

Viagem ao Exterior – Solicitantes de refúgio e refugiados reconhecidos tem direito a viajar para o exterior. No primeiro caso, o CONARE precisa autorizar a viagem.

Deveres específicos:

Respeitar todas as leis brasileiras e todas as pessoas independentemente de idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual, opinião política, etnia, cor de pele, assim como organizações e instituições públicas e privadas.

Renovar seu documento de identificação nas Delegacias de Polícia Federal e manter dados de endereço e contato atualizados junto ao CONARE conforme prazos determinados pela legislação brasileira.

Permanecer no país ao longo do procedimento de reconhecimento da condição de refugiado.

1.2.1 Refugiados no Brasil

De acordo com a Polícia Federal, havia, em 2017, 86.007 mil solicitações de refúgio, feitas por indivíduos de diversas nacionalidades, sendo 16% da Ásia, 20% da América Central, 33% da América Latina e 31% da África, conforme revela o quadro abaixo

Quadro nº 5 – Solicitações de refúgio no Brasil em 2017, por nacionalidade

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No Brasil, ao final de 2017, a população de refugiados reconhecidos era de 10.145, segundo o CONARE. Salientamos em nosso estudo que a questão do refugiado é uma questão mundial, e principalmente de países de economia próspera, para onde se deslocam buscando sobreviver.

Destacamos a curva ascendente de refugiados no Brasil, que, em 10 anos, verifica-se um aumento exponencial, de mais 300% nessa condição, e evidencia uma das expressões da questão social9, que exige uma forte presença do Estado

para o seu enfrentamento.

Quadro nº 6 – número de refugiados reconhecidos no Brasil em 2017

Fonte: CONARE

Esse número exponencial em tão pouco tempo é alarmante, e motivo para que se faça um questionamento em torno de um aumento tão significativo. Além disso, é de extrema importância buscar identificar quem são os refugiados no Brasil. O quadro abaixo exibe o perfil que conseguimos constatar.

9 Segundo Iamamoto, a questão social é (...) apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade... o desenvolvimento nesta sociedade, redunda, de um lado, em uma enorme possibilidade de o homem ter acesso à natureza, à cultura, à ciência, enfim, desenvolver as forças produtivas do trabalho social; porém, de outro lado e na sua contraface, faz crescer a distância entre a concentração/acumulação de capital e a produção crescente da miséria, da pauperização que atinge a maioria da população[...] (2001:27, itálico original).

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Quadro nº7 – Pedidos de refúgio reconhecidos em 2017, por faixa etária e gênero

Fonte: CONARE

Importante ressaltar que entre os 10.145 refugiados reconhecidos no Brasil, é possível identificar que o número de crianças e adolescentes é de 2.028, revelando (e exigindo) aqui a necessidade de apoio e cuidado, respeitando-se os princípios do ECA. Jovens adultos, importante fase, somam 3.348. Aqui, as expectativas de vida são construídas e/ou destruídas. O número de adultos é de 4.464 e o de idosos, 305. A predominância do sexo masculino expõe um desequilíbrio de gênero, que podemos indagar, pressupor, que pode ser motivado pela cautela em deixar mulheres e crianças nos países de origem até que se consiga conquistar um mínimo de dignidade e qualidade de vida no Brasil, ou, ainda, pela perda ou abandono de grupos familiares, entre outras possibilidades.

A população de refugiados no Brasil está distribuída em todos os estados, e a maior parte vive nos grandes centros urbanos. Destaca-se a concentração de refugiados nas regiões Norte, Sudeste e Sul; porém, ressaltamos, conforme quadro da Polícia Federal, que há refugiados em todas as regiões do país. Nesse sentido, é uma questão a ser enfrentada pela nação, e que não pode (nem deve) ser fragmentada, com responsabilidades localizadas e ações precárias frente às complexas necessidades.

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Quadro nº 8 – Solicitações de refúgio no Brasil em 2017, por estado

Fonte: Polícia Federal

O dever de acolher e integrar essa população através da garantia de direitos e da criação de políticas nacionais que atendam a essa demanda é do Estado, através do CONARE e em parceria com o ACNUR, que tem como um de seus grandes desafios “[...] assegurar que os refugiados possam se tornar autossuficientes o mais rápido possível, o que pode demandar atividades convencionais geradoras de renda ou projetos de formação profissional”.

Daí a importância do fortalecimento e da ampliação da rede feita por diversas parcerias, em especial com os entes públicos, tendo em vista sua responsabilidade e importância para a prestação de políticas, programas e serviços fundamentais para a oferta de acolhida digna e de condições de integração dos refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil (AGUIAR e ALVES, 2017).

A maior parte dos refugiados no Brasil está em idade produtiva – 15 anos de idade ou mais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São homens e mulheres que estão aptos a ingressar no mercado de trabalho, a fim de dar início à reconstrução de suas vidas no país. Para que isso seja possível, além de todos os serviços oferecidos pelos parceiros do ACNUR e pela sociedade civil, que capacitam profissionais e os tornam potenciais candidatos a vagas de emprego em diversos setores, é necessário que as políticas de recolocação no mercado laboral

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existam, funcionem e olhem para essa população da mesma forma que a qualquer outro cidadão que necessita sustentar a si e sua família, sem estigmatizá-los e sem preconceitos.

A condição de SER REFUGIADO, como buscamos demonstrar até aqui, revela circunstâncias ameaçadoras às suas vidas e de suas famílias. Pensar sua proteção e autonomia envolve a responsabilidade do Estado na organização e execução de políticas públicas, projetos e ações que visem atender suas particularidades e necessidades, contando com o apoio da sociedade civil organizada.

Avançando nesse estudo, priorizamos o acesso ao mercado de trabalho, por entender que sem ele, não só a sobrevivência, mas a dignidade está aviltada. Porém, sabemos que o acesso ao mercado de trabalho na atualidade vem se restringindo, impondo precárias condições, inseguranças e violação de direitos trabalhistas.

No próximo capítulo, buscamos analisar as atuais condições do mundo do trabalho, determinadas pela Reestruturação Produtiva, impostas pelo Projeto Neoliberal. E, ainda, sobre as condições objetivas que os refugiados encontram na busca por trabalho no Brasil, identificando as dificuldades e os obstáculos, bem como as políticas, programas específicos e organizações que trabalham objetivando a abertura de campo de trabalho aos refugiados.

Nossa ênfase, a questão do trabalho, é por considerá-la estruturante do SER, em suas condições objetivas e subjetivas na construção de sua sociabilidade, que pode revelar-se tenebrosa e ameaçadora, ou apontar caminhos para a garantia e efetivação dos direitos humanos e de justiça social e, nesse sentido, de dignidade humana.

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CAPÍTULO II

TRABALHO NO BRASIL E REFUGIADOS: CONDIÇÕES OBJETIVAS NA BUSCA POR INSERÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO SUBORDINADO À

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E AO PROJETO NEOLIBERAL

Eu fico muito triste quando eu me encontro com as pessoas e explico que sou refugiado, que um dia saí de casa de manhã e encontrei mil pessoas mortas onde eu vivia e tive de sair pulando os corpos, e os brasileiros ficam tristes. Todos choram. Só que quando eu falo que estou passando dificuldade aqui, que estou passando fome, que não tenho onde dormir, aí dizem que no Brasil é assim mesmo. Pitchou Luambo

No segundo capítulo procuramos identificar e analisar as condições de busca e inserção no mundo do trabalho pelos refugiados. Consideramos que, para atender esse objetivo, é fundamental analisar de que forma o avanço do projeto neoliberal nos contextos mundial e nacional vai afetar drasticamente o mundo do trabalho por meio da reestruturação produtiva.

2.1 O avanço do projeto neoliberal e a reestruturação produtiva do capital

A doutrina neoliberal surgiu com o economista austríaco Ludwig Von Mises (1881-1973), na década de 1920, e começou a ser sistematizada no fim da II Guerra Mundial, por outro economista austríaco, Friedrich Von Hayek. Nasceu como uma resposta contrária ao modelo de desenvolvimento centralizado no papel do Estado e tinha como foco combater o controle dos mecanismos econômicos por parte do Estado, que era considerado como uma ameaça à liberdade econômica e política e a principal causa da crise do sistema capitalista

[...] Na década de 1970, diante da crise fiscal do Estado, as ideias passam a ser socializadas, tornando-se a fonte de inspiração e de sustentação do pensamento reacionário do mínimo Estado e do máximo mercado [...] Nesse período, inicia-se a materialização do pensamento neoliberal pelos governos que, alegando a crise fiscal do Estado, encontram o caminho para fortalecer o capitalismo e aniquilar os movimentos sociais, fortalecendo as elites dominantes (HOBOLD, 2002:20)

References

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